terça-feira, 4 de dezembro de 2018

DIÁRIO DE BORDO - SERTÃO, GRANDE SERTÃO.


DIÁRIO   DE  BORDO – SERTÃO, GRANDE SERTÃO.



              Assim como as árvores mudam as suas folhas amarelecidas pelo tempo a vida muda de páginas e nós, indubitavelmente envelhecemos. Envelhecer é um ato heroico, ir perdendo os sentidos, a percepção, a beleza das formas, a agilidade e até o respeito social dos mais íntimos é penoso. Na verdade é uma droga, aposentar, sentar em uma cadeira, assistir a bons ou maus filmes, ler jornais, reclamar do salário, do plano de saúde, conversar sempre com aquele refrão idiota “ no meu tempo”...
                 Não quero envelhecer assim, pelo menos enquanto puder. Quero preservar meus sonhos loucos de liberdade porque sempre me senti uma gaivota levando vida de tartaruga. Por isso comecei há anos a pensar no meu “Diário de Bordo”. Não se espantem amigos estou muito bem da cabeça só pensando mais longe. Aproveitar a aposentadoria. Por que não?
               Gosto de letras, textos, geografia, história, literatura em geral, fotografia, filmagens e as aventuras que assisti no cinema na minha adolescência sempre me fizeram muito bem como também as páginas de autores consagrados que já li – Tesouros da Juventude – tão inesquecível!
               Resolvi viajar aqui por perto. Comprei uma “pick up”, uma potência, com um toquezinho a mais de velocidade, com segurança, é claro. No bagageiro amplo coloquei além dos meus sonhos volumosos, meus mapas, meus roteiros, minha bússola, meus livros prediletos, meu violão, a roupa indispensável e uma forte dose de coragem. O note book no banco traseiro, pronto para especiais anotações.
              Ânimo não falta!!! No porta-luvas coloquei minha bíblia, (filtro de proteção para a alma) e o filtro de proteção solar para a minha pele cansada, meus óculos, lenços e documentos. Enfim sós, eu e a minha vida!
             Minha máquina fotográfica registrará os horizontes descortinados a cada manhã e meu Diário de Bordo as emoções a serem exploradas. Estradas, estradas e estradas, pé na tábua, uma boa e suave música para equilibrar as tensões. Lá vou com a minha imaginação imperdível.
            A ignição foi dada! Quero me sentir solta levada pelas asas da liberdade que nunca alcancei na mocidade. Assim, “piquei a mula” e como o vento, saí em silêncio rumo ao desconhecido. Queria mesmo chegar “onde o Judas perdeu as botas” sem deixar pistas do meu paradeiro. Desafiei o meu umbigo enterrado no quintal,

“ao Deus dará” comecei a escrever a primeira página do meu diário.
            Tudo, tudo me atraía: os rios, as montanhas, a costa, a vegetação e a fauna além do sol de verão e o luar de prata. Primeiro conhecer um pouco mais de Minas Gerais: o Jequitinhonha, o das Velhas ou o Doce. Viajar pela Estrada Real no Caminho do Ouro palmilhando o chão dos desbravadores portugueses na saga de ampliar fronteiras. Conhecer a Arte Sacra das imponentes igrejas e as minas perdidas das Gerais, contemplar o Pico Itacolomi, testemunha de tantas aventuras. Ir a Diamantina, Ouro Preto, Mariana, Sabará, a São João Del Rei ou a Tiradentes. Assistir em silêncio a luta dos Inconfidentes rezando do alto de Congonhas, deixando-se perder o olhar num passado rico de histórias.
              No coração de Minas seguir até o Vale do Aço encontrando nova cultura exposta no rosto tranqüilo do mineiro com todas as suas tradições. Das montanhas saborear a brisa, a natureza virgem, rumando depois para o São Francisco, para o Urucuia nos caminhos dos Sertões do Rosa, encontrando Riobaldo e Diadorim. “Ce vai, ocê fique, você nunca volte!” “e, eu, rio abaixo, rio afora, rio adentro – o rio.”
              Debaixo dos buritis fazer parada, pensar, admirar, contemplar a beleza viva da natureza ainda intocada. Caminhando ao lado da jagunçada “capisquei” tudo, ao aprender a respeitar o sertanejo, suas aventuras, suas histórias de características tão próprias. “Apear” entre Quem-Quem e Solidão e adormecer ouvindo Manoelzão contando os “causos” das Gerais que não acabam mais, “toda saudade é uma espécie de velhice”! De tocaia, entre uma tapera e outra, o adversário Joca Ramiro e seu bando espia-nos desconfiados! Quanta riqueza cultural brotando do chão!
             E no Tamanduá-tão, várzeas sem fim, a travessia era braba, no embornal a coragem reservada para enfrentar o inimigo.
             - “Te arma bem, Diadorim”!
              - “Tamo passano no Alto-Carinhanha, Alaripe, acumpanha o Zé-Bebelo, cabra experiente pra vigiação revezada!”
                 Assim, entre a vida e a morte, passageira dessa história, eu ia registrando na memória todos esses fragmentos do cotidiano, porque “o sertão está em toda parte:” “o sertão é do tamanho do mundo.” Não há tiro de carabina que acabe com ele. Aqui é a guerra, é cobra engolindo cobra... Lá, o que será? Nem Tatarana nem Urutu-Branco o sabem!
             E, do outro lado da vida, entre anjos, alcançando o seu lugar de destaque, além da tragédia e da comédia humana, engalanado com o seu fardão, Rosa continua a escrever suas histórias fantásticas fazendo pacto de magia não só com o “Demo,” como também com os seus aprisionados leitores, sabendo que “O pássaro que se separa do outro, vai voando adeus o tempo todo.”
              Vestimos a roupa colorida da esperança na procura de um encontro verdadeiro além da vida terrena que nos aprisiona... Seguimos contando nossos “causos”.
               Jagunços têm almas, carências e muita sede de paz mesmo de carabina armada para o inimigo há sempre um pensamento nobre de fazer justiça!
              Nesse rico manancial de contos e experiências deixei o sertão de Minas e segui viagem com a algibeira cheia de sonhos. De timão, chapéu de couro e alpercatas eu fui para o império de Lampião para novamente começar a conviver com novas e surpreendentes histórias, páginas vivas do nosso Brasil, tão desconhecido para tantos.



segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Menino d'Africa


Menino d’Africa.
Amélia Luz

Menino, cadê a bola? O campinho de futebol,
a pipa empinado sonhos, o céu azul, a passarada,
a alegria da molecada solta nas estradas?
Menino, cadê o rio? O banho com a meninada,
o mergulho, a fieira de peixes, a algazarra das tardes quentes?
Menino, cadê a flauta de bambu entalhado,
Onde entoavas as primeiras notas musicais?
E a perna-de-pau que o fazia crescer brincando de adulto?
O  cavalinho de sabugo, os boizinhos de chuchu,
as gaiolas, as arapucas, o canário grande sempre a cantar?
E a escola menino? A alegria da escola?
As letras, as primeiras escritas, as gravuras,
o alfabeto e a leitura, a vida descortinando mundos?
Tu a soletrar o futuro da tua terra!
Ah... Menino d’Africa, não precisas nem dizer,
das correntes, das tristezas, da fome,
das febres e do abandono cruel,
dos destinos trágicos dos seres,
que a tua raça suporta nos ombros, sem vergar.
Menino-irmão, eu estou do lado de cá do oceano,
clamando pela justiça para que me possas ouvir
no teu silêncio que tanto me incomoda!
Não deixes que a morte te surpreenda
e te leve em sua rede prisioneira!
Alguma coisa falta aos meninos da tua terra...
O sonho, a esperança, o sorriso, a crença maior
de poder viver em paz e fartura,
mesmo que seja ao fundo do teu casebre de barro
 na tua África cabisbaixa e triste,
 tão explorada pela ganância do homem branco!
A pipa que tu empinas levará aos céus
O teu clamor, o teu desespero, a tua súplica.
Do trono o Altíssimo por ti estará a velar, coragem!