DIÁRIO DE BORDO – SERTÃO, GRANDE SERTÃO.
Assim como as árvores mudam as
suas folhas amarelecidas pelo tempo a vida muda de páginas e nós,
indubitavelmente envelhecemos. Envelhecer é um ato heroico, ir perdendo os
sentidos, a percepção, a beleza das formas, a agilidade e até o respeito social
dos mais íntimos é penoso. Na verdade é uma droga, aposentar, sentar em uma
cadeira, assistir a bons ou maus filmes, ler jornais, reclamar do salário, do
plano de saúde, conversar sempre com aquele refrão idiota “ no meu tempo”...
Não quero envelhecer assim,
pelo menos enquanto puder. Quero preservar meus sonhos loucos de liberdade
porque sempre me senti uma gaivota levando vida de tartaruga. Por isso comecei
há anos a pensar no meu “Diário de Bordo”. Não se espantem amigos estou muito
bem da cabeça só pensando mais longe. Aproveitar a aposentadoria. Por que não?
Gosto de letras, textos,
geografia, história, literatura em geral, fotografia, filmagens e as aventuras
que assisti no cinema na minha adolescência sempre me fizeram muito bem como
também as páginas de autores consagrados que já li – Tesouros da Juventude –
tão inesquecível!
Resolvi viajar aqui por perto.
Comprei uma “pick up”, uma potência, com um toquezinho a mais de velocidade,
com segurança, é claro. No bagageiro amplo coloquei além dos meus sonhos
volumosos, meus mapas, meus roteiros, minha bússola, meus livros prediletos,
meu violão, a roupa indispensável e uma forte dose de coragem. O note book no
banco traseiro, pronto para especiais anotações.
Ânimo não falta!!! No porta-luvas
coloquei minha bíblia, (filtro de proteção para a alma) e o filtro de proteção
solar para a minha pele cansada, meus óculos, lenços e documentos. Enfim sós,
eu e a minha vida!
Minha máquina fotográfica
registrará os horizontes descortinados a cada manhã e meu Diário de Bordo as
emoções a serem exploradas. Estradas, estradas e estradas, pé na tábua, uma boa
e suave música para equilibrar as tensões. Lá vou com a minha imaginação
imperdível.
A ignição foi dada! Quero me sentir
solta levada pelas asas da liberdade que nunca alcancei na mocidade. Assim,
“piquei a mula” e como o vento, saí em silêncio rumo ao desconhecido. Queria
mesmo chegar “onde o Judas perdeu as botas” sem deixar pistas do meu paradeiro.
Desafiei o meu umbigo enterrado no quintal,
“ao Deus dará” comecei a escrever
a primeira página do meu diário.
Tudo, tudo me atraía: os rios, as
montanhas, a costa, a vegetação e a fauna além do sol de verão e o luar de
prata. Primeiro conhecer um pouco mais de Minas Gerais: o Jequitinhonha, o das
Velhas ou o Doce. Viajar pela Estrada Real no Caminho do Ouro palmilhando o
chão dos desbravadores portugueses na saga de ampliar fronteiras. Conhecer a
Arte Sacra das imponentes igrejas e as minas perdidas das Gerais, contemplar o
Pico Itacolomi, testemunha de tantas aventuras. Ir a Diamantina, Ouro Preto,
Mariana, Sabará, a São João Del Rei ou a Tiradentes. Assistir em silêncio a
luta dos Inconfidentes rezando do alto de Congonhas, deixando-se perder o olhar
num passado rico de histórias.
No coração de Minas seguir até o
Vale do Aço encontrando nova cultura exposta no rosto tranqüilo do mineiro com
todas as suas tradições. Das montanhas saborear a brisa, a natureza virgem,
rumando depois para o São Francisco, para o Urucuia nos caminhos dos Sertões do
Rosa, encontrando Riobaldo e Diadorim. “Ce vai, ocê fique, você nunca volte!”
“e, eu, rio abaixo, rio afora, rio adentro – o rio.”
Debaixo dos buritis fazer parada,
pensar, admirar, contemplar a beleza viva da natureza ainda intocada.
Caminhando ao lado da jagunçada “capisquei” tudo, ao aprender a respeitar o
sertanejo, suas aventuras, suas histórias de características tão próprias.
“Apear” entre Quem-Quem e Solidão e adormecer ouvindo Manoelzão contando os
“causos” das Gerais que não acabam mais, “toda saudade é uma espécie de
velhice”! De tocaia, entre uma tapera e outra, o adversário Joca Ramiro e seu bando
espia-nos desconfiados! Quanta riqueza cultural brotando do chão!
E no Tamanduá-tão, várzeas sem
fim, a travessia era braba, no embornal a coragem reservada para enfrentar o
inimigo.
- “Te arma bem, Diadorim”!
- “Tamo passano no
Alto-Carinhanha, Alaripe, acumpanha o Zé-Bebelo, cabra experiente pra vigiação
revezada!”
Assim, entre a vida e a morte,
passageira dessa história, eu ia registrando na memória todos esses fragmentos
do cotidiano, porque “o sertão está em toda parte:” “o sertão é do tamanho do
mundo.” Não há tiro de carabina que acabe com ele. Aqui é a guerra, é cobra
engolindo cobra... Lá, o que será? Nem Tatarana nem Urutu-Branco o sabem!
E, do outro lado da vida, entre
anjos, alcançando o seu lugar de destaque, além da tragédia e da comédia
humana, engalanado com o seu fardão, Rosa continua a escrever suas histórias
fantásticas fazendo pacto de magia não só com o “Demo,” como também com os seus
aprisionados leitores, sabendo que “O pássaro que se separa do outro, vai
voando adeus o tempo todo.”
Vestimos a roupa colorida da
esperança na procura de um encontro verdadeiro além da vida terrena que nos
aprisiona... Seguimos contando nossos “causos”.
Jagunços têm almas, carências e
muita sede de paz mesmo de carabina armada para o inimigo há sempre um
pensamento nobre de fazer justiça!
Nesse rico manancial de contos e
experiências deixei o sertão de Minas e segui viagem com a algibeira cheia de
sonhos. De timão, chapéu de couro e alpercatas eu fui para o império de Lampião
para novamente começar a conviver com novas e surpreendentes histórias, páginas
vivas do nosso Brasil, tão desconhecido para tantos.
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